quinta-feira, 21 de agosto de 2008

As grávidas com hepatite B com carga viral detectável devem ser tratadas com drogas antivirais para reduzir o risco de transmissão vertical?



Resposta de Dr. William F. Balistreri
Professor de Pediatria, Dorothy M. M. Kersten, University of Cincinnati College of Medicine, Cincinnati, Ohio; diretor médico, Programa de Transplante de Fígado, Cincinnati Children's Hospital Medical Center, Cincinnati, Ohio
Inicialmente, deixe-me formular a pergunta – qual é o problema que estamos tentando resolver? A hepatite por vírus B (VHB), freqüentemente, leva a uma infecção crônica durante os primeiros anos de vida, tal como é evidenciado através da constatação que, em países onde a prevalência de hepatite B crônica é elevada, a maioria dos casos na infância são de transmissão perinatal.[1] Cerca de 90% dos lactentes não tratados, nascidos de mães que apresentam positividade para o antígeno E (HBeAg) desenvolve "tolerância imunológica". Este mecanismo tradicionalmente é explicado pela transferência de antígeno materno à criança que acaba por inibir uma resposta seletiva dos linfócitos T ao HBeAg e ao antígeno C do vírus B (HBcAG). A soroconversão com positividade do anti-HBe pode ocorrer com o tempo, mas pode haver dano ao fígado durante o processo de clearence do HBeAG.[1] O rastreamento do antígeno de superfície S (HBsAg) de rotina para todas as gestantes, com a aplicação da vacina para hepatite B e de imunoglobulina específica para o vírus B (HBIG) nos recém-nascidos (RN) expostos nas primeiras 24 horas de vida, são as formas mais eficazes de prevenção da infecção perinatal pelo vírus B da hepatite. A primeira campanha de vacinação em massa contra o vírus da hepatite B ocorreu em Taiwan há 20 anos, quando foram reduzidas as taxas de infecção pelo vírus B e as incidências de hepatocarcinoma e insuficiência hepática fulminante entre crianças. [1] As recomendações das diretrizes atuais determinam que os recém-nascidos de mães infectadas devam receber, já ao nascimento, imunização passiva com HBIG, a vacina regular para HBV, que deve ser completada com as demais doses conforme as recomendações-padrão.[2] Essa abordagem tem eficácia em reduzir o risco de transmissão perinatal do vírus B em aproximadamente 95% dos casos, mas é menos eficaz entre as mães que possuem HBeAg positivo ou que apresentam cargas virais elevadas. Um nível sérico de carga viral materna superior a 107 IU/mL está associado a um fracasso na imunoprofilaxia que pode variar de 5 a 10%.[3]
A redução da viremia durante o último mês de gestação em mulheres com HBsAg positivo e carga viral elevada pode ser uma medida eficaz e segura para reduzir o risco de fracasso da imunoprofilaxia no recém-nascido. Existem duas estratégias distintas para reduzir a carga viral nessas grávidas: a administração de HBIG durante o pré-natal e terapia antiviral específica. Entretanto, a terapia profilática é controversa, complexa e ainda não foi bem estudada.
HBIG
Xu e colaboradores,[4] em um ensaio clínico prospectivo e controlado, administraram placebo ou três doses de 200 unidades de HBIG por via intravenosa a cada 4 semanas, a partir da 28ª semana de gestação, em mulheres com HBsAG positivo. Houve uma diferença significativa na positividade do DNA-HBV e do HBeAg nos recém-nascidos entre os dois grupos (taxa de positividade: 25% entre os filhos de gestantes que receberam HBIG versus 83% entre as crianças nascidas das mães tratadas com placebo). Além disso, a carga viral era inferior a das mães tratadas e significativamente inferior a dos controles que não receberam tratamento.
Terapia antiviral específica
A lamivudina foi o único antiviral estudado para esta condição. Quando ela foi administrada nas últimas 4 semanas de gestação se mostrou capaz de reduzir uma viremia acentuada. Van Zonneveld e colaboradores[5] trataram oito gestantes com viremia elevada (>1,2 x 109 IU/mL) com 150 mg de lamivudina por dia durante o último mês de gestação. O grupo controle era composto por 24 crianças nascidas de outras mães com HBsAg positivo e carga viral semelhante. Todas as crianças receberam imunização ativa e passiva ao nascimento (com vacina para HBV e imunoglobulina, respectivamente) e foram acompanhadas por um período de 12 meses. Sete das oito mães tratadas com lamivudina apresentaram uma redução de sua carga viral. Em apenas uma das oito crianças (12,5%) nascidas das mães que receberam esta medicação, o HBsAg e o DNA-HBV permaneceu positivo aos 12 meses de idade; as demais crianças apresentaram soroconversão para anti-HBs. Entre o grupo controle que não recebeu tratamento, a transmissão perinatal ocorreu em 7 das 25 crianças (28%). Outros trabalhos estudaram a eficácia e a segurança da lamivudina para o tratamento da hepatite B crônica na gravidez.[6-9] Li e colaboradores[6] investigaram o efeito desta medicação sobre a transmissão intra-uterina em comparação com a HBIG. Neste estudo, com grávidas que apresentavam HBsAg positivo, 56 receberam 200 unidades de HBIG a cada 4 semanas por via intramuscular a partir da 28ª semana de gestação e 43 foram tratadas com lamivudina na dose de 100 mg ao dia no mesmo período da gravidez. O grupo controle, composto por 52 gestantes, não recebeu nenhuma forma de tratamento. A taxa de infecção neonatal pelo vírus B da hepatite foi significativamente menor entre os recém-nascidos de mães que recebiam HBIG (16%) ou lamivudina (16%) do que entre aqueles cujas mães pertenciam ao grupo controle (33%; P <> 0,05). Não foi constatado nenhum efeito colateral entre as gestantes ou seus filhos.
A terapia com lamivudina pode não prevenir a transmissão perinatal da HBV em todos os recém-nascidos. Kazim e colaboradores[8] relataram a ocorrência de hepatite B crônica em um recém-nascido, apesar da redução da carga viral materna a um nível não detectável obtida através de terapêutica prolongada com lamivudina. O recém-nascido recebeu a vacina para vírus B e HBIG, mas ainda assim apresentava aumento das enzimas hepáticas e positividade persistente dos testes de DNA para HBV. O DNA-HBV apresentava semelhanças no seqüenciamento e foi constatada a presença da mesma mutação pré-core, o que indicou a transmissão vertical.
Além da eficácia, outra grande questão é, obviamente, a segurança. Da mesma forma, para colocarmos o problema sob perspectiva, é importante lembrar que a hepatite B durante a gravidez não aumenta a morbimortalidade materna ou aumenta o risco fetal de complicações.[1,3] Além disso, o uso da lamivudina não levou a nenhum efeito colateral entre as gestantes. Contudo, em um único trabalho, houve um aumento significativo na atividade da doença hepática após o parto das mães tratadas com esta medicação em comparação com aquelas que não a haviam recebido.[9] E o que dizer sobre o efeito potencial deste medicamento sobre o feto? Lamivudina, adefovir e entecavir são assinaladas como drogas de categoria C, isto é, têm capacidade de causar aborto e efeitos teratogênicos em modelos animais; porém, não existem estudos controlados em seres humanos.[3] Com o surgimento de novos análogos de nucleosídeos/nucleotídeos de categoria B, como o telbivudine e o tenofovir (que atualmente está sendo revisto pelo FDA para uso em hepatite B crônica), novos estudos serão necessários para avaliar a importância da redução da carga viral durante a gravidez.[3,10]
Resultado final: o uso de terapia antiviral durante a gravidez para reduzir a carga viral e o risco de transmissão do HBV ao recém-nascido é uma estratégia razoável. Contudo, não existem dados suficientes para ratificar esta posição até o momento. Esta medida terapêutica deve ser avaliada em um grande ensaio clínico controlado que compare a eficácia dos agentes antivirais e HBIG em reduzir a transmissão intra-uterina da infecção pelo vírus B.
Referências bibliográficas

1. Chang MH. Hepatitis B virus infection. Semin Fetal Neonatal Med. 2007;12:160-167. Abstract
2. Lok ASF, McMahon BJ. AASLD Practice Guidelines: Chronic Hepatitis B. Hepatology. 2007;45:507-539. Abstract
3. Terrault NA, Jacobson IM. Treating chronic hepatitis B infection in patients who are pregnant or are undergoing immunosuppressive chemotherapy. Semin Liver Dis.. 2007;27 Suppl 1:18-24. Abstract
4. Xu Q, Xiao L, Lu XB, Zhang YX, Cai X. A randomized controlled clinical trial: interruption of intrauterine transmission of hepatitis B virus infection with HBIG. World J Gastroenterol. 2006;12:3434-3437. Abstract
5. van Zonneveld M, van Nunen AB, Niesters HG, de Man RA, Schalm SW, Janssen HL. Lamivudine treatment during pregnancy to prevent perinatal transmission of hepatitis B virus infection. J Viral Hepat. 2003;10:294-297. Abstract
6. Li XM, Yang YB, Hou HY, et al. Interruption of HBV intrauterine transmission: a clinical study. World J Gastroenterol. 2003;9:1501-1503. Abstract
7. Su GG, Pan KH, Zhao NF, Fang SH, Yang DH, Zhou Y. Efficacy and safety of lamivudine treatment for chronic hepatitis B in pregnancy. World J Gastroenterol. 2004;15;10:910-912
8. Kazim SN, Wakil SM, Khan LA, et al. Vertical transmission of hepatitis B virus despite maternal lamivudine therapy. Lancet. 2002;359:1488-1489. Abstract
9. ter Borg MJ, Leemans WF, de Man RA, Janssen HL, Exacerbation of chronic hepatitis B infection after delivery. J Viral Hepat. 2008;15:37-41. Abstract
10. Gambarin-Gelwan M. Hepatitis B in pregnancy. Clin Liver Dis. 2007;11:945-963. Abstract

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